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sexta-feira, 17 de julho de 2020

Análise do filme um Conto Chinês no meu Canal de Vídeos


Queridos seguidores tem análise de filme no meu Canal de Vídeos no Youtube.

O filme é genial: Um Conto Chinês, nessa análise falo um pouco sobre o personagem Roberto e sua neurose obsessiva. 
Confiram no link abaixo.





terça-feira, 22 de outubro de 2019

Her, um amor entre o sujeito e máquina, os sem-corpo



Her é um filme de 2013, escrito dirigido e produzido por Spike Jonze, com atuações do maravilhoso Joaquin Phoenix e da voz sensual de Scarlett Johansson, que além de linda tem uma voz, perfeita para esse filme. A película consegue abordar com maestria as “ciber-relações”, a partir do imaginário de uma voz, o sujeito (Théodore) pode se questionar: Quem é o Outro? Quem é esse sujeito ideal? Ideal, exatamente porque não existe. A “voz” consegue antecipar aquilo que o sujeito deseja realizar no real. Essa fantasia em que o Outro ideal existe é realizada imaginariamente, esta proporciona muita felicidade para Théodore, que é um homem solitário, tentando fazer um luto de sua separação com a esposa. “Samantha” é um bálsamo para essa era de desamparo, isolamento e medo das relações amorosas. O OS – Sistema Operacional – se enquadra perfeitamente para esse sujeito que precisa se iludir com a completude, mas sem contudo, estar verdadeiramente com o outro. É interessante ressaltar que Théodore até tenta um encontro no real com uma mulher, mas como sabemos, não há garantia de sucesso, pois, nem sempre esse encontro é bem-sucedido. No caso dele, este não consegue entrar na fantasia da mulher, que busca não apenas um parceiro sexual para passar a noite, mas um marido; ao constatar logo de cara as intenções de Théodore, o clima sensual entre os dois acaba e a mulher o rejeita, fazendo com que ele constate mais uma vez que é melhor investir em um OS, pois esse está sempre “ao seu lado”, apoiando-o, do que se arriscar a encontros frustrantes com mulheres reais. Théodore prefere trocar elas por “Ela”, apesar de Samantha não possuir um corpo, ela supre essa falta, ocupando um lugar no imaginário de Théodore, com sua voz, que produzia um gozo da voz, pulsão invocante, que sempre provocava um gozo a mais para ele, “Ela” sabe além do esperado, inclusive, antes dele mesmo convocá-la, aparando-o, e amenizando suas angústias, a mulher toda, completa. É o amor perfeito, ou o objeto que pode completá-lo.
Mas, até o OS pode causar frustração, angústia e divisão no sujeito, sobretudo, quando a consistência do imaginário é abalada pela falta do corpo e do toque do Outro. O amor pede o corpo, embora, para nós espectadores, Théodore mesmo possuindo um corpo físico, deixa-nos carentes em relação ao seu corpo também, não sabemos quase nada sobre ele, além do seu trabalho e onde vive, pois, não temos acesso por exemplo, ao que pode ter desencadeado sua separação e suas emoções também são escassas e pouco simbolizadas. Foi necessário um “encontro” com a máquina para que ele pudesse iniciar um luto e voltar a desejar o outro. Isso é constatado ao final do filme, quando Théodore percebe como Samantha o mobilizou novamente para a vida e para os desejos, como ela pode ser esse objeto a e causar seu desejo novamente.
Citando Troianovski & Petrosino:
De fato, não apenas ela não tem um corpo, mas o que o filme não desenvolve é o que acontece com o corpo do protagonista... Que idade ele tem? Por que ele se divorcia?
Quem é a mulher grávida? Esta dimensão sutil se revela completamente apagada, ele mesmo é um sem-corpo. Ele nunca mostra seus sentimentos, esforçando-se em responder a demanda do outro a fim de que o desejo não apareça. Ele mostra uma espécie de apatia generalizada: deslocamento do corpo do trabalho para casa e da casa pro trabalho, sem nenhum afeto.
E um sujeito assim escreve cartas de amor para os outros! Que ironia! Este aspecto do filme ressalta um corpo separado de seus afetos, esta falta de subjetivação do afeto é muito contemporânea.  Retomando ao momento que a fantasia começa a vacilar, Samantha, percebendo a angústia provocada por sua ausência de corpo físico, cria uma estratégia para “sanar” essa falta. Ela pede uma mulher para lhe emprestar seu corpo, a fim de representá-la junto a ele. Essa outra mulher, real, aceita esse papel, comovida pela história de amor deles e é controlada por um fone de ouvido por Samantha, a voz, que deseja estar presente durante o encontro sexual.
Enquanto Théodore toca e beija a mulher, ouve a voz de Samantha também através de um fone de ouvido. “’Um ser a três’, como disse Lacan sobre Lol V. Stein. Uma espécie de realização do fantasma feminino, onde o homem, na relação sexual, está com uma outra.” (Petrosino, 2014). A mulher percebe a angústia do homem em relação devido a um pequeno movimento que ele faz com a boca, essa leve vacilação de Théodore não se encaixa na fantasia do casal ele e Her, então Théodore foge, quando se depara com a verdade de todo ser falante, não há relação sexual. Logo depois desse incidente, Samantha “some” por um breve momento, e quando ele a questiona sobre isso, acaba descobrindo que ela o “trai” com mais de 8.000 mil homens ao mesmo tempo, fazendo-os viver o que ela vive com ele. O furo no imaginário que se iniciou com a questão da ausência de corpo de Samantha se abre totalmente com essa revelação da “traição”. Até que a própria Samantha resolve deixá-lo, e aí começa realmente o trabalho de luto e simbolização de Théodore, finalizado com a carta que ele escreve inspirado na experiência vivida com o OS. Nem o computador pode ser “todo” para o Outro, e é partir dessa aceitação e castração que Théodore dá os primeiros sinais de que pode retomar sua vida afetiva. Com as palavras de Troianowski:
Sim, se nós pensarmos que é o encontro com o real que divide, o filme mostra bem como a rejeição do real, que esta relação supõe, permite dispensar a divisão. Nesse sentido, vemos uma forma hipermoderna de fazer com a relação sexual que não existe: deixar de lado o corpo do outro.  Utilizando o filme como metáfora, percebe-se que a fantasia e o desejo de completude representam a dificuldade do sujeito contemporâneo em lidar com seu desamparo, sua falta e sua castração. Essas condições humanas e constitutivas proporcionam a entrada dos gadgets, a fim de ocuparem como Samantha o OS, esse lugar de objeto completo para os sujeitos, na era da contemporaneidade. A tecnologia como vista no filme vai aprimorar cada vez mais seus objetos artificiais, com o intuito de proporcionar essas pequenas “felicidades”, que dão a ilusão de que a é vida perfeita, o outro não possui falta e existe um objeto que não é perdido, pelo contrário, a tecnologia pode produzir um que seja “complementar”.

Referências Bibliográficas:

Troianovski, L. & Petrosini, L. (2014). À propos de Her - Les sans-corps. Recuperado em 13 de junho de 2014 


http://www.congresamp2014.com/fr/template.php?file=Afinidades/Textos/Her.html


domingo, 4 de agosto de 2019

Dor e Glória – Pedro Almodóvar 2019




Dor e Glória, as perdas e glórias de um sujeito

“Este é o meu projeto mais pessoal”, falou Almodóvar quando filmava seu mais recente filme Dor e Glória; depois de assisti-lo, percebemos o quanto essa afirmação é verdadeira. A película nos mostra tom e movimentos completamente diferentes dos outros filmes de Almodóvar: se em vários filmes vimos um sarcasmo, a comédia e até o caricato, neste, a melancolia nos acompanha do início até o fim do filme.
Interessante que ao assistir ao filme, lembrei-me muito do texto de Freud “Luto e Melancolia”, de 1914; nesse texto Freud faz uma analogia entre o luto e a melancolia e expõe as diferenças entre um e outro, em ambos a perda de desejo, a tristeza e o desinvestimento nos objetos estão presentes. Embora esses dois estados apresentarem semelhanças sintomáticas, no luto, ao seu tempo, o sujeito conseguirá simbolizar sua dor, sua perda e retomar sua vida, ao contrário do melancólico que tem um processo muito mais complexo, por não ter recursos psíquicos suficientes para fazer essa transição. Por que quis apontar essa diferença? Porque ao longo do filme acompanhamos o personagem Salvador Mallo, (representado magnificamente por António Banderas, por cuja atuação ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes 2019), um diretor de cinema que vive dores físicas intensas no corpo e uma depressão aguda, em meio a uma crise criativa. Salvador também nos transmite uma melancolia perturbadora durante toda a película. Apesar do movimento lento e profundo do filme, ficamos apreendidos, pois, entre as dores e o olhar triste de Salvador, presenciamos também suas lembranças: da infância, de um grande amor na juventude, de sua mãe e da manifestação de seu primeiro desejo sexual, que nos presenteia com uma das cenas mais belas do filme.
Quis citar o texto de Freud porque, nesse filme, podemos ver justamente a diferença entre o neurótico e o melancólico em relação ao luto: se Salvador apresenta inicialmente um perfil sintomático que não é definido, uma vez que não sabemos se ele irá atravessar esses momentos tão sombrios, no final poderemos constatar  através de suas lembranças, do reencontro com Federico e com sua retomada à vida, que ele não é um melancólico. Essa é a grande diferença que Freud nos mostrou – o neurótico consegue com o tempo fazer o luto e voltar a investir em novos objetos, o melancólico, não. A célebre frase de Freud nesse texto: “a sombra do objeto caiu sobre o Eu”[1], explica bem essa diferença nas duas estruturas psíquicas.
Não podemos esquecer que nossa pulsão de vida anda lado a lado com nossa pulsão de morte, e a linha que as separa é muito tênue. Em algum momento, sua assistente lhe fala que nunca o tinha visto falar de sua mãe desde que esta morreu, o cineasta aos poucos começa a fazer seu trabalho de luto e isso se refletirá em seu corpo e sua alma. Salvador busca ajuda médica para os seus sintomas físicos e com seu desejo ressurgindo pode criar novamente. As dores provavelmente continuarão, sejam elas físicas ou emocionais, mas, como ele lidará com elas, certamente será diferente a partir dessas elaborações e de seu novo projeto criativo. Fiquei refletindo sobre a capacidade de sublimação do artista através de sua arte e sua criação e me deu uma “inveja branca”, sem dúvida o artista “fala” de tudo o que sente por meio dos objetos que produzem; neles ele pode elaborar e simbolizar suas dores, amores e alegrias e nós, simples mortais, precisamos encontrar nossos recursos internos e tentar produzir algo para isso, pelo menos temos o privilégio de contemplar suas representações e nos identificarmos com elas. Como os filmes, as peças teatrais a que assisto e as obras de arte que contemplo me ajudam e simbolizar minhas dores e a me reinventar.
O filme de Almodóvar mostra um cineasta maduro, que viveu intensamente a vida, e que agora terá que lidar com suas perdas. Almodóvar afirmou após o lançamento do filme que “a velhice é um massacre”, penso que Dor e Glória é o primeiro filme que retrata essa fase do diretor, a constatação de sua idade, da castração que a velhice impõe, mas também da certeza que nunca deixaremos de desejar independentemente da idade que temos, o desejo do inconsciente não envelhece,  talvez se transforme um pouco, mas não morre e é ele que nos move e nos possibilita continuar vivendo. Em algum momento, ao relembrar o fracasso de um amor, Salvador relembra: “O cinema me salvou”, ao final do filme, veremos que a arte o salvará de novo de sua grande perda, a morte de sua mãe, de seu corpo doente e de uma vida cheia de perdas e glórias. Pensei de que maneira a psicanálise, minha profissão, meus alunos, a arte, escrever aqui no meu blog, produzir filmes para o meu canal de vídeos, enfim, objetos que mobilizam  a minha capacidade de criar causam o meu desejo e me salvam de mim mesma.
E você? Já pensou o que causa o seu desejo e o salva?








[1] 1914/2010. Luto e Melancolia. In: Sigmund Freud, Obras completas. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) (P. C. Souza, Trad. ). São Paulo: Companhia das Letras.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Cafarnaum - Caos






Tive meu primeiro contato com a diretora Nadine Labaki  através  do  seu filme delicioso Caramelo em 2008 uma mistura de drama e comédia, que me apresentou essa cineasta e atriz que vinha para ficar e marcar a sétima arte. Tempos depois, ela nos presenteou com outro excelente filme: E agora onde vamos? (que inclusive comentei em meu canal de vídeos https://www.youtube.com/watch?v=3220MDgvfKY). 
A força e o talento dessa atriz e diretora transborda na sua postura, beleza e no seu olhar, Nadine tem o dom de tocar em temas polêmicos com maestria, delicadeza e sensibilidade.
Cafarnaum, seu mais recente filme árabe libanês (2018) é um dos indicados para o Oscar como melhor filme estrangeiro. A película foi galardoada com o Prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2018, e recebeu uma ovação de 15 minutos na estreia no dia 17 de maio de 2018. Novamente a diretora toca em feridas e valores sociais, nos atingindo profundamente. Nadine aborda a pobreza, a família disfuncional e a exploração infantil, questões tão comuns para nós brasileiros, que vemos todos os dias crianças em semáforos vendendo balas ou pelas ruas mendigando.
O título Cafarnaum que quer dizer Caos, não poderia ser mais apropriado, porque o que vemos do princípio ao fim do filme é realmente um caos em todos os níveis. Me chamou particularmente a atenção essa maneira de Nadine abordar um tema tão delicado como a família sem pudor ou verniz, mas, tentando por meio da ficção tocar o real de maneira mais próxima o possível, sim porque há uma fantasia que pais e mães sempre amam, protegem e cuidam dos seus filhos. No entanto, o que vemos em Cafarnaum não é bem assim, o real da ignorância humana, da pobreza e da miséria nos mostra que ter filhos não necessariamente nos torna pais e mães, essas funções são construções simbólicas, muito além do que é dito popularmente como instinto materno, nem todos cumprirão bem essas funções. O ser humano se não for civilizado como já dizia Freud em seu texto O Mal-estar na Civilização, 1930 terá mais dificuldades em sublimar suas pulsões o tornando muito mais animal do que humano. Somos seres de linguagem e como tal, os significantes nos marcam desde que nascemos. Em um momento do filme o personagem principal Zain, um menino de doze anos fala dos significantes que o acompanharam desde de sempre, que eram  xingamentos e insultos vindos dos pais. O pai dele também costumava mal dizer a esposa. Zain, fruto de pais ignorantes, consegue com sua percepção e sensibilidade compreender o ciclo de repetição mortífera de sua família, que envolve: miséria, desamor e desamparo. 
Nós psicanalistas, sabemos que só gerar e trazer um ser humano ao mundo não consequentemente o tornará um sujeito. O filhote humano precisa do Outro e do outro para se constituir psiquicamente e para sobreviver, pois não basta alimentar e limpar um bebê, ele precisa de investimento psíquico, do olhar, da voz, do afeto e desejo também no seu desenvolvimento, posteriormente da função paterna para poder desejar e ir para o mundo. Esse processo não é automático e é uma construção ao longo dos anos.
Zain apesar de toda a exploração e abuso que sofre diariamente é um menino que ama, cuida e protege, principalmente sua irmã um ano mais nova do que ele, sendo o “pai” e “mãe” dela. O esforço dele em protegê-la nos parte o coração, apesar de ter doze anos, Zain é um menino pequeno e franzino, mas a sua força e determinação são de um homem de mais de 20 anos. Seu olhar sempre triste traduzindo toda a sua dor nos comove durante todo o filme, Zain só sorri e levemente na última cena.
Em alguns momentos Cafarnaum me lembrou a outro filme que assisti e também comentei aqui no blogue: Nojoom, 10 anos divorciada (https://freudecinema.blogspot.com/2017/05/nojoon-10-anos-divorciada.html) baseado no drama real de Nujood Ali, que em 2008, aos dez anos, era a mais jovem divorciada no mundo, a história se tornou um livro e a cineasta Khadija Al-Salami adaptou a narrativa para o cinema. Nojoom, como Zain apesar do desamparo e a miséria consegue mobilizar um país para conseguir se divorciar aos dez anos. Neste filme como no de Nadine, nos deparamos com a ignorância e a pobreza, isso irá marcar indelevelmente os destinos de Nojoom e Zain. Os discursos de ambas famílias são anacrônicos e egoístas só visam a subsistência da família através da dor, do trabalho e da exploração dos filhos. Se Nojoom mobiliza a sociedade para se divorciar, Zain a mobiliza por querer processar os pais por ter nascido. Outro valor questionado no filme, “a vida”, ouvimos todos os dias que a vida é algo sagrado, é uma dádiva, mas será que se você aos dez anos como Nojoom fosse obrigada a se casar com um homem mais velho, para a família ter onde morar, enquanto o que ela queria era brincar com sua boneca, ou Zain que trabalhava incessantemente em um armazém para sustentar a família, sendo que seu sonho era ir para a escola, defenderia tanto a vida irrestritamente, mesmo para aqueles que não têm a mínima condição emocional e material de colocar uma vida no mundo? Será que viver para o outro sobreviver é uma dádiva? Ocupar o lugar do pai e da mãe e não poder ser filho é justo?
Como disse no início desse filme, Nadine toca em questões delicadas, a fantasia de que a família pode ser a maior referência para o ser humano em termos de amor e proteção, é desmontada nessa película. Antes de sermos pais, somos meros mortais, com nossas dores, medos e limitações, quanto mais ignorantes em relação a si mesmo e ao outro, mais riscos de criar famílias como essas de Nojoon e Zain, “lares” que exploram os filhos em nome da consanguinidade, mas, não têm a dignidade de assumirem seus erros, suas responsabilidades e suas escolhas. Por mais filmes como esses, e por mais Nojoom e Zain pelo mundo, essas crianças nos mostram que talvez ainda haja esperança um dia para a humanidade.